29 outubro, 2005

Sixth Psalm (parte 2*)

For America is a reformed burglar turned locksmith who pulls up the shades of his shop at nine A.M. daily (except Sunday when he leaves his phone number on the shop door).


For America is a fat woman dusting a grand piano in English Creek, New Jersey.


For America is a suede glove manufactorer sitting in his large swivel chair feeling the goods and assessing his assets and debits.


For America is a bus driver in Embarass, Minnesota, clocking the miles and watching the little cardboards file by.


Anne Sexton


Porque a América é um ladrão regenerado trabalhando como chaveiro que acende as luzes de sua oficina diariamente às nove da manhã (exceto aos domingos, quando deixa seu telefone na porta da oficina).


Porque a América é uma mulher gorda espanando um grande piano em English Creek, Nova Jérsei.


Porque a América é um fabricante de luvas de camurça sentado em sua grande cadeira giratória apalpando as mercadorias e calculando seus ativos e passivos.


Porque a América é um motorista de ônibus em Embarass, Minnesota, medindo as milhas e assistindo às pequenas malas de papelão passarem em fila.


trad. chamilly


*again: a divisão em partes foi feita por mim, por razões técnicas. a esperança continua a mesma.

27 outubro, 2005

de pernas bem abertas

que fosse o resgate de uma delicadeza roçar a língua pela tua pele asfaltada e dissolvê-la
- bala -
em espasmos carnívoros

25 outubro, 2005

para apostar corrida com o fogo

- 1. tome uma folha de papel em branco azul ou preta.


0. escreva algo inédito que seja no mínimo muito bom e crie estima por ele. não faça cópias.


1. vá a uma esquina ou praça levando seu texto pela mão.


2. segure o papel pelos cabelos.


3. leia bem muito em voz alta. caso o texto seja curto, repita a leitura continuamente, acrescentando sal aos poucos.


4. acenda seu isqueiro laranja.


5. toque fogo no papel, começando pelos pés . (nesse ponto, espera-se que o declamador seja tomado de desespero e acelere sua leitura)


6. continue lendo até que seus olhos encontrem a linha do fogo.


7. aconteça o que acontecer, não solte o papel.


. a queimadura na ponta dos dedos ao fim de tudo será o de menos.

e por falar nisso

com pouco anunciava:
passa-se o ponto
(e a cruz)

18 outubro, 2005

da fome ao fêmur
comendo carne roendo osso

12 outubro, 2005

Sixth Psalm (parte 1*)

For America is a lady rocking on a porch in an unpainted house on an unused road but Anne does not see it.


For America is a librarian in Wichita coughing dust and sharing sourballs with the postman.


For America is Dr. Abraham passing out penicillin and sugar pills to the town of Woolrich, Pennsylvania.


For America is an old man washing his feet in Albion, Michigan. Drying them carefully and then applying Dr. Scholl's foot powder. But Anne does not see it. Anne is locked in.



Anne Sexton




Sexto Salmo


Porque a América é uma senhora balançando na varanda de uma casa sem pintura numa estrada abandonada, mas Anne não vê isso.


Porque a América é uma bibliotecária em Wichita tossindo pó e dividindo docinhos azedos com o carteiro.


Porque a América é o Dr. Abraham distribuindo penicilina e pílulas de açúcar na cidade de Woolrich, Pensilvânia.


Porque a América é um velho homem lavando os pés em Albion, Michigan, secando-os com cuidado e em seguida passando talco para pés Dr. Scholl. Mas Anne não vê isso. Anne está trancada.


trad. chamilly


*a divisão em partes foi feita por mim, por razões técnicas. espero poder postar o restante do poema em breve.

do "diário de um apaixonado" (e não é o meu)

O apaixonado entra na relação independente e autônomo, afinal já passou por relacionamentos anteriores e pretende usar sua experiência. Finalmente vai colocar em prática o breviário da sedução e exercitar os conselhos dados aos amigos. No começo, parecerá implacável, seguro e confiante. Criou uma fortaleza de dar medo. Depois de alguns beijos e de entortar o pé sem perceber, sacrificará as táticas e será sincero como nunca na vida. Falará dos seus medos, confessará segredos que nunca ousou contar, irá se declarar de modo precoce contrariando sua idéia de que não poderia fazer isso. É necessário colar o adesivo de "frágil" no apaixonado, não sobrevive de um endereço a outro, de uma certeza a outra. É um corpo em mudança.
***
Perdoai a boca, não salta como os olhos. Perdoai os olhos, guardo sua nudez em minha boca.
Não desejo beber outra sede, quero fechar os lábios ao café, ao vinho, à água. Nada brilhará mais os dentes. Deixarei o mel de sua fome crescer em mim com a rapidez da barba.
O gosto do seu sexo não é doce, não é salgado, é ao mesmo tempo toda a mesa.
Fabrício Carpinejar

11 outubro, 2005

06 outubro, 2005

sim, mamãe III

filha, você acha realmente que a vida será tão pobre a ponto de nunca mais?

05 outubro, 2005

Poema de sete faces


Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.


As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.


O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.


O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.


Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.


Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo,
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.


Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
Drummond
eu queria muito ser gauche na vida
mas só consigo ser left
leftover

01 outubro, 2005

do diário de um vírus

sábado, 02 de novembro de 1968

É pouco, é muito pouco. Ser a forma de vida mais simples na mais complexa. Outro corpo para me reproduzir. Minha única condição de vida, que não se cura. A vida de fusão: o que é vivo vai para. O estremecimento gigantesco veio do ventre dela neste momento em que nos fundimos, a hora em que fazemos o grande perigo de. Estamos íntimos e sinto seus núcleos dispersos. Os nervos a descoberto, viciados em intensidade. Existo nesse corpo sem pedir licença. Ela sente a própria dor no instante em que escrevemos, a hora do maior desamparo. O peito estreito. O que é vivo, por ser vivo, se contrai. E então eu soube: a vida nascendo dói. Sem coração, carrego a angina pectoris da alma. Não posso ser apenas eu.


11 de fevereiro de 2001.

Ninguém acredita em elefantes azuis que voam, porque ninguém nunca viu. Eles se confundem com o azul do céu, flutuando como balões de gás. E estão em toda parte.

Eu não acredito, eu sei que elefantes azuis que voam existem, porque sinto e penetro seus corpos. Têm a carne de algodão doce, o sangue feito de sopro, e andam quase se dissolvendo pelo ar, como as últimas imagens de sonho no decorrer do dia. A razão não alcança esses elefantes.

Amo a sutileza desses bichos flanando sobre os arranha-céus. Pegá-los no pulo do sol pela manhã. Revirar o sangue de sopro em ventania pela tarde, descolorir a pele em tons cinza de concreto urbano, esgarçar o algodão da carne até desmanchar o corpo. Enquanto os homens pensam que quem vira é o tempo.

Tromba d’água. Enquanto a razão faz meteorologia.