26 novembro, 2005

segunda primavera

porque este foi um ano de dois invernos e duas primaveras


porque a fome sempre chega


porque o céu pode ser azul mesmo quando neva


porque os invernos se revezam


porque não neva lá fora


porque voltarei a comer pétalas de flor


porque desmancharei laços de fita

16 novembro, 2005

cuidado com o vício

cenouras*

(frederyko)



eu hoje tenho um assundo delicado pra falar com você
eu muito tenho meditado sobre a vida que você esqueceu
você está com a cabeça virada para o nada
e não procura nem saber o que eu penso e o que faço
eu acredito que você ainda tenha uma pequena chance
e eu encontrei a solução pro seu caso
e lhe proponho um tratamento pra você melhorar


eu vou plantar cenouras na sua cabeça




*post com agradecimentos especias à moça do laço de fita, que encontrou-me a música

08 novembro, 2005

pelos ares tão parados deste blog

eu ainda te dedicaria músicas alheias


bandeira


(zeca baleiro)


eu não quero ver você cuspindo ódio

eu não quero ver você fumando ópio pra sarar a dor

eu não quero ver você chorar veneno

não quero beber o teu café pequeno
eu não quero isso seja lá o que isso for

eu não quero aquele eu não quero aquilo

peixe na boca do crocodilo

braço da vênus de milo acenando ciao

não quero medir a altura do tombo

nem passar agosto esperando setembro
se bem me lembro

o melhor futuro este hoje escuro

o maior desejo da boca é o beijo
eu não quero ter o tejo me escorrendo das mãos

quero a guanabara quero o rio nilo

quero tudo ter estrela flor estilo

tua língua em meu mamilo água e sal

nada tenho vez em quando tudo

tudo quero mais ou menos quanto

vida vida noves fora zero

quero viver quero ouvir quero ver

(se é assim quero sim acho que vim pra te ver)

04 novembro, 2005

Sixth Psalm (3ª parte, e última)

For America is a land of Commies and Prohibitionists but Anne does not see it. Anne is locked in. The Trotskyites don’t see her. The Republicans have never tweaked her chin for she is not there. Anne hides inside folding and unfolding rose after rose. She has no one. She has Christopher. They sit in their room pinching the dolls’ noses, poking the doll’s eyes. One time they gave a doll a ride in a fuzzy slipper but that was too far, too far wasn’t it. Anne did not dare. She put the slipper with the doll inside it as in a car right into the closet and pushed the door shut.


For America is the headlight man at the Ford plant in Detroit, Michigan, he of the wires, he of the white globe, all day, all day, all year all his year’s headlights, seventy a day, improved by automation but Anne does not.


For America is a miner in Ohio, slipping into the dark hole and bringing forth cat’s eyes each night.


For America is only this room… there is no useful activity.


For America only your dolls are cheerful.


Anne Sexton



Porque a América é uma terra de comunas e proibicionistas, mas Anne não vê isso. Anne está trancada. Os trotskistas não a vêem. Os republicanos nunca torceram o queixo dela, pois ela não está lá. Anne se esconde do lado de dentro a dobrar e desdobrar rosa após rosa. Ela não tem ninguém. Ela tem Christopher. Eles se sentam na sala, beliscando o nariz das bonecas, furando os olhos delas. Uma vez eles deram carona pra uma boneca numa pantufa de pelúcia, mas aquilo estava muito distante, muito longe não foi. Anne não arriscou. Ela pôs a pantufa com a boneca dentro como num carro direto pro armário e trancou a porta.


Porque a América é o homem-farol na fábrica da Ford em Detroit, Michigan, ele dos fios, ele do globo branco, o dia inteiro, o dia inteiro, o ano inteiro todos os faróis do seu ano inteiro, setenta por dia, aperfeiçoado pela automação mas Anne não.


Porque a América é um mineiro em Ohio, deslizando para um buraco escuro e trazendo à tona olhos-de-gato a cada noite.


Porque a América é apenas este quarto... nenhum afazer é útil.


Para a América apenas suas bonecas são alegres.


trad. chamilly